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Apenas com diploma e roupas, professora chega e é acolhida na Cidade Morena

Leida Eunice de Araújo fez a vida em Campo Grande

Leida lembra dificuldades que passou quando chegou em Campo Grande (Foto: Gabriel Maymone / Portal Correio do Estado)

Mulher,  29 anos, sozinha, sem dinheiro, apenas com poucas mudas de roupas, documentos pessoais e o diploma de formação em ciências físicas e biológicas e biologia. Foi assim que a paranaense de Arapongas Leida Eunice de Araújo chegou em Campo Grande, em julho de 1978, mesmo ano em que a cidade obteve status de capital. 

Os primeiros dias não foram fáceis para a jovem professora, que veio para a Capital Morena em busca de justiça – recuperar terras que tinha em Ribas do Rio Pardo que foram roubadas pelos próprios irmãos -. “Com esse problema, resolvi vir para Campo Grande para tentar reaver a minha propriedade”.

Na época, Campo Grande tinha cerca de 290 mil habitantes. A primeira “morada” de Leida foi a rodoviária. “Foi muito difícil. Não tinha dinheiro, não conhecia ninguém”, disse ao lembrar também que logo fez amizades com pessoas que iriam lhe dar a ajuda que ela precisava para começar uma nova vida.

A professora conta que a primeira coisa que fez na cidade foi procurar um advogado para dar entrada no processo judicial na tentativa de recuperar seus bens. Ela só não imaginava que, além de achar um profissional para defender seu caso, também encontrou um amigo que a ajudaria neste momento. “Conheci o doutor Milton de França Morais e quando ele soube que eu era bióloga, me apresentou na secretaria de educação e logo fui contratada”, lembra Leida, que chegou num momento em que não haviam profissionais da educação com a formação dela e o governo do Estado estava se estruturando. Nesse contexto, ela logo foi contratada e incorporada ao quadro de servidores do recém-criado Mato Grosso do Sul.  

“Fui designada a uma escola que ficava num bairro sem asfalto – até então o pavimento chegava até a Praça das Araras. Nessa época o doutor Milton me ajudou muito, me deu um dinheiro e fui morar numa pensão na Dom Aquino até ter condições de alugar uma casa”.

Mesmo com emprego e um lugar para morar, a professora ainda não tinha nada. A situação foi difícil, pois ela só começou a receber seis meses depois. Na escola, ela enfrentou um pouco de preconceito no começo por ser uma moça nova e sozinha. Chegou a ser chamada de hippie, pois não tinha dinheiro para comprar shampoo e andava de tênis remendado. O fato de ser comunicativa a ajudou e logo ela conquistou a confiança dos colegas professores e vizinhos.  “Conheci pessoas que me apoiaram muito. Uma me deu geladeira, outra pessoa doou um fogão, ganhei cadeira, mesa e até colchão, pois estava dormindo no chão”. 

O momento em que Leida percebeu que iria fixar raízes em Campo Grande foi quando recebeu convite para trabalhar em Brasília. “Deixei amigas dando aula no meu lugar aqui e fui, mas não gostei de lá e logo voltei”. A partir desse momento, Leida passou a se considerar campo-grandense de coração. “Não era minha intenção ficar, foi necessidade, porque precisei, mas  arrumei emprego e acabei gostando daqui”.

Um ano depois, já estabilizada, a filha que havia ficado no Paraná com a avó veio para a Capital. “Fiquei um ano sem notícias dela, que estava com pouco mais de dois anos. Quando ela veio fiquei mais tranquila”.

Apesar da rotina cansativa de dar aula em três períodos, Leida nunca perdeu o bom-humor.  Quando se juntava com as outras professoras, era risada na certa. “Professor não ganhava bem, passamos por greves, dificuldades, mas nunca perdemos a alegria de viver. Tenho boas lembranças do tempo em que íamos para carnaval, ensaio de escola de samba, muita musica, povo muito dado, muito alegre ”, disse Leida ao se recordar dos bailes no Clube União dos Sargentos, Surian e Cabana Gaúcha.

COINCIDÊNCIA

Anos depois, Leida conheceu João Nylton Marques, o homem que se tornaria pai de sua segunda filha. O que ela descobriu depois é que ele, 19 anos mais velho, havia morado em Arapongas e conhecido o seu pai. Ele a viu criança e não poderia imaginar que depois de tanto tempo a reencontraria e teria uma filha com ela. “Nossa filha nasceu e cresceu aqui. Hoje tenho dois netos que também nasceram aqui. Acredito que eles também  vão ficar na cidade, pois tem a infraestrutura boa para a formação deles”, pontuou. 

Assim como a cidade, Leida também progrediu na vida. No bairro Taveirópolis, que ela deu aula por 18 anos, só havia ruas sem asfalto. Hoje, a infraestrutura melhorou, a região tem boas escolas, restaurante, grandes supermercados, farmácias e largas avenidas. A professora que começou dormindo na rodoviária, hoje, tem casa própria.  “Tenho hoje a casa que fiz com muito sacrifício e muita luta. 

Hoje, aposentada, a professora não conseguiu reaver os seus direitos, mas não se arrepende de ter persistido. “É comum, não é só aqui não. Foi metade da vida de luta, tive despesas e a causa não foi julgada como esperava, mas sai moralmente por cima. Eu gosto da cidade, fiz muitas amizades. Valeu a pena”, declara Leida, que já está há 38 anos na Cidade Morena.

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