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Brasil desperdiça 40 mil toneladas de alimento por dia

Hábito do brasileiro de ter fartura na mesa ou até de "colocar mais água no feijão" precisam ser deixados de lado para ajudar na redução do desperdício e da perda de alimentos no País. Esse foi um alerta dado por Gustavo Porpino, analista na área de comunicação e marketing da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Sustainable Food Summit da América Latina, evento promovido pela Rede Save Food Brasil, na tarde de ontem (30), em São Paulo, e que discutiu a perda e o desperdício com alimentos em todo o mundo.

"Precisamos educar os consumidores para mudar e substituir o gosto pela fartura por um comportamento mais frugal e de maior respeito pelo alimento que chega às nossas mesas", disse Porpino.

Segundo Porpino, os brasileiros têm o hábito de ter um grande estoque de comida em suas casas - nem sempre adequados para o armazenamento, além de fazer compras de alimentos por impulso e prepará-los de forma excessiva à mesa. Outro problema que contribui para o desperdício é o preconceito com o preparo das sobras de comida.

"Desperdiçar comida também é desperdiçar água, terra, recursos financeiros e impacta negativamente principalmente no orçamento da classe média baixa brasileira", disse.

A perda dentro de casa não é o maior problema do País em termos estatísticos, mas contribui, em muito, para que as perdas e desperdício com alimentos no Brasil somem 40 mil toneladas por dia, segundo Viviane Romeiro, coordenadora de mudanças climáticas do World Resources Institute (WRI) Brasil .

Alimentos bonitos

Alcione Silva, membro do corpo diretivo da Rede Save Food Brasil, entidade que tem apoio da Organização das Nações Unidas para a Agricultura Alimentação (FAO) no Brasil, disse que os consumidores brasileiros contribuem com cerca de 10% do desperdício de alimentos dentro da cadeia logística, que envolve também a produção, distribuição e armazenamento dos alimentos.

"O consumidor, para nós, é o grande ator desse tema porque ele tem uma grande exigência estética. Ele só leva para casa aquilo que é bonito, que está muito fresco. Produtos com validade vencida, daqui uma semana você prefere escolher outro. O consumidor acaba sendo um grande exigente de padrões estéticos e gerais dos alimentos e acaba deixando para trás alimentos que são nutricionalmente tão saudáveis quanto um alimento bonito", disse.

Segundo Porpino, ainda não é possível avaliar no País o tamanho do impacto econômico que é produzido com o desperdício de alimentos dentro de casa, porque não há pesquisas nesse sentido. "Nos Estados Unidos, por exemplo, o Departamento de Agricultura tem um dado alarmante: 31% das terras agricultáveis são ocupadas para produzir alimentos que nunca serão consumidos e 41% da produção agropecuária americana, que é a maior do mundo, não chega a ser consumida. Talvez o Brasil esteja próximo desse patamar, já que vencemos aquela condição de sermos importadores de alimentos para nos tornamos o segundo maior exportador de alimentos do mundo".

Educação nutricional

Para evitar o desperdício com os alimentos dentro de casa, Porpino diz que é fundamental que as escolas adotem a educação nutricional para as crianças serem agentes de mudanças. "Também precisamos atuar mais por meio da rede de enfrentamento da insegurança alimentar, como nos programas sociais como o Bolsa Família ou de bancos de alimentos, para eles caminharem mais juntos com iniciativas de educação nutricional", disse.

A perda e desperdício de alimentos tem diversas implicações. Uma delas é com relação à segurança alimentar. "Hoje temos aproximadamente 7 bilhões de pessoas [no mundo] e a estimativa é que, em 2050, seremos 9 bilhões. Enquanto isso, aproximadamente 1 bilhão de pessoas não tem acesso adequado e sofre com desnutrição e falta de alimento adequado. Então, primeiramente, essa é uma questão de segurança alimentar", disse.

Segundo Allan Boujanic, representante da FAO no Brasil, cerca de 30% de tudo o que é produzido no mundo é desperdiçado e perdido antes de chegar à mesa do consumidor. Isso provoca, segundo a FAO, um prejuízo econômico estimado em US$ 940 bilhões por ano, o que corresponde a cerca de R$ 3 trilhões.

Outras implicações, segundo Viviane, dizem respeito aos aspectos econômico e ambiental. "É um assunto que envolve uma questão social e de segurança alimentar, de impacto econômico, mas também de impactos ambientais e aí destacamos essencialmente a perda da biodiversidade, impactos na biodiversidade, impactos no uso do solo, na questão da água, da escassez da água, e também a questão do clima, das emissões de carbono", disse.

Sobre a questão ambiental, Viviane disse que, se essa perda mundial com os alimentos fosse um país, ela seria o terceiro maior país do mundo por emissão de gás de efeito estufa, por exemplo, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

Rede Save Food

Para buscar alternativas para reduzir a perda e o desperdício de alimentos no País foi criada a rede Save Food Brasil, que tem apoio da FAO, da WRI e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre outros. "Essa e outras campanhas da FAO para combater o desperdício de alimentos têm como principal mensagem a mudança de atitude.

O País pode contribuir com bons exemplos na mudança mundial desse cenário. Alcione citou iniciativas como o Disco Xepa, de distribuição de sopas feitas com sobras de alimentos; a produção de tecnologia pela Embrapa; o Comida Invisível, que pretende fazer um food truck para conscientizar crianças e escolas sobre o reaproveitamento de sobras na cozinha; e o Fruta Imperfeita, que comercializa alimentos considerados "imperfeitos", tais como uma batata ou cenouras tortas.

Marco regulatório

Para Viviane, uma das ações que poderia ajudar a reduzir o desperdício e a perda de alimentos no País seria a adoção de um marco regulatório sobre o tema. "Hoje temos vários projetos de lei mas que não foram aprovados ou promulgados. É super-importante que tenhamos um marco regulatório específico e que proporcione segurança jurídica para que as empresas realizem suas doações de forma adequada e para que haja incentivos e subsídios para a redução da perda e desperdício alimentar. Essa questão legislativa e regulatória é extremamente importante", disse.

Para Alcione, a grande dificuldade diz respeito à cadeia logística. "Tanto a cadeia de distribuição quanto a de armazenamento e o consumidor final tem uma grande perda de alimentos por falta de infraestrutura. Nossas centrais de abastecimento não tem uma infraestrutura adequada. Faltam cadeias e câmaras frias e falta conscientização na parte de manipulação e embalagens. O Brasil tem um grande problema de infraestrutura hoje e de logística nessa área. Diria que esse é o problema mais grave que a gente tem no desperdício de alimentos", disse a integrante do corpo diretivo da Rede Save Food Brasil.

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