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Para garantir a vida, autocensura é arma de jornalista mexicano

(Foto: Leandra Felipe/Agencia Brasil)

Entre 2000 e 2013, 85 jornalistas foram assassinados no México, segundo relatório da organização não governamental Human Rights Watch. De acordo com o mesmo documento, de 2005 a abril do ano passado, 20 jornalistas desapareceram no país.

Ser jornalista no México é dedicar-se a uma profissão perigosa. A busca e a divulgação das várias versões de um fato – um dos grandes fundamentos do jornalismo – são colocados em xeque no dia a dia dos profissionais. Correspondente na cidade de Altamirano do jornal El Sur, de Acapulco, o jornalista Israel Flores, 35 anos, diz que o silêncio é arma. “Aqui, a autocensura é a ferramenta mais importante para salvar nossa vida.”

Ele afirma que o problema é maior para os repórteres de cidades de interior. “Se você mora numa cidade grande, você ainda pode se esconder. Aqui, não. Todos saberão o que você investigou, descobriu e publicou”, diz.

De acordo com a ONG Repórter sem Fronteiras, o México ocupa o topo no ranking dos países mais perigosos na América Latina para exercer a profissão. Em seguida, aparecem a Colômbia, o Brasil e Honduras.

Israel Flores trabalha na região há dez anos e conta que já sofreu ameaças “sutis” e “pedidos” para não publicar informações.

“Certa vez, testemunhei algo que comprometia um deputado, que o envolvia em negócios ilegais. Ele me ligou e disse que seria ruim para mim que a matéria fosse divulgada”, conta. “Não publicamos. É isso ou correr risco, e tenho três filhas para sustentar.”

Diante de ameaças e do envolvimento de autoridades do Estado com grupos do crime organizado, Flores reforça que a autocensura virou um mecanismo comum entre os colegas de profissão no país.  Ainda segundo ele, o “código de ética” estabelecido entre os jornalistas da região também tem reflexo na maneira de abordar certos temas.

De acordo com Flores, dificilmente os jornais se debruçam sobre os “porquês”. Isso ocorre para não esbarrar em problemas ligados ao financiamento dos veículos de comunicação, de verbas publicitárias de governos e empresas que podem ter alguma ligação com grupos criminosos, e para garantir a segurança dos profissionais.

“Nós, colegas de profissão, costumamos combinar o que vamos publicar, se um descobriu mais uma coisa que o outro, conversamos e ponderamos.”

A tendência do trabalho jornalístico no país é se ater ao registro dos fatos e não a desvendar os motivos. “Ainda que a gente investigue para saber e para se proteger, a gente não diz e não publica.”

Para os correspondentes internacionais que atuam no México, a percepção é que eles estão um pouco mais distantes da mira de grupos armados ou de autoridades corruptas. Entrevistados pela Agência Brasil, três deles e uma cineasta disseram que não sabem se há um “acordo” entre o narcotráfico para não abordar profissionais estrangeiros. O fato é que não há casos de assassinatos de jornalistas de outros países.

“De alguma maneira, os narcotraficantes tendem a não dificultar o trabalho de jornalistas estrangeiros”, diz o mexicano Alfredo Corchado, que foi correspondente de um jornal norte-americano.

Imigrante ilegal na infância, quando os pais foram para o Texas, e depois legalizado no país, Corchado estudou jornalismo nos Estados Unidos. No livro Meia-Noite no México, ele publica a sua visão sobre o país, entrelaçando seu ponto de vista com experiências vividas como jornalista.

Como correspondente “estrangeiro” em seu próprio país de nascimento, Corchado não escapou do tratamento dado a jornalistas mexicanos. Ele conta que foi ameaçado em três ocasiões diferentes, a última e mais contundente ocorreu quando ele denunciou um pacto entre os chefões do narcotráfico.

“O jornalismo no México padece do mesmo que o restante do país. Vivemos uma noite escura. O que espero é que, depois desta meia-noite, venha a luz e a verdade possa vir à tona”, diz.

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