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Holanda fecha 19 presídios; EUA libertam, de uma vez, 6 mil presos

Por que o Brasil está “parado” ou “andando para trás”? Há mil razões para isso (econômicas, políticas, éticas, sociais, governamentais, jurídicas etc.). Uma delas reside na nossa incrustada cultura populista. Que mal nos faz o vírus do populismo (que significa governar uma nação, em pleno século XXI, de acordo com uma visão de mundo muito antiga, ainda dominada pelo pensamento sagrado do passado, para além de considerar a sociedade de humanos como se fosse um corpo humano unitário, cuja saúde e equilíbrio exige a subordinação do indivíduo a um plano transcendental)[1]?

Um exemplo: nesta semana, no Brasil, continuamos discutindo se “Bandido bom é bandido morto” (Datafolha: metade dos entrevistados respondeu positivamente). Holanda, por seu turno, acaba de fechar 19 presídios (por falta de presos e pela adoção de medidas alternativas).[2] O fim de cada preso significa a economia de 200 mil reais por ano. O Brasil precisa urgentemente se deitar no divã para resolver se quer seguir o caminho da civilização ou se deseja retroceder definitivamente para a barbárie. O fechamento de prisões é a tendência em todos os países que adotam políticas preventivas primárias (educação de qualidade, integração social, serviços públicos decentes, autoridades com baixíssimo nível de corrupção, políticas públicas não populistas etc.). Não temos que nos comparar com os outros países (muito menos com Holanda). Basta copiar o que é bom (e o que já se mostrou adequado para uma governança efetiva).

Outro exemplo: o Departamento de Justiça dos EUA acaba de anunciar a concessão de liberdade a 6 mil presos federais, por porte de drogas (uma das maiores libertações em massa, nos EUA) (O Globo 7/10/15: 30). O que isso significa? Diminuição da superlotação dos presídios (eles têm mais de 2,2 milhões de presos) e reconhecimento da falência da velha política populista de encarceramento massivo (sobretudo no caso das drogas). Aprovou-se uma nova diretriz de redução das penas aos possuidores de drogas. Mais de 40 mil presos serão liberados. A fracassada “guerra às drogas” (política populista decretada em 1971, por Nixon, que visava a “extirpar” esse câncer da sociedade) editou leis draconianas que fizeram com que milhares de pessoas perdessem anos sagrados das suas vidas nas prisões (em lugar de estar trabalhando e produzindo algo para si próprio e para o país). Os negros, sobretudo, arcaram com longas penas cruéis e desumanas.

A política populista norte-americana (que foi exportada para todo o mundo Ocidental) sonhou (aberrantemente) que seria possível erradicar as drogas no mundo. Encararam os portadores de drogas como “inimigos”, como “traidores”, que minavam a saúde assim como a coesão do povo (trata-se do uso e abuso da metáfora que equipara a sociedade com o corpo humano; o “corpo populista” é constituído da unidade e da harmonia dos seus diversos órgãos; tudo que afeta essa saúde deve ser eliminado). A pulsão populista (seja de ultraesquerda, seja de ultradireita) não tolera o dissenso, não aceita o diferente. Tudo se uniformiza, aniquilando o pluralismo. Não suporta a ideia do indivíduo emancipado (que emana do iluminismo kantiano), possuidor de direitos universais. O que importa é a comunidade única (de pensamento direcionado a um objetivo). Tudo que ameaça um organismo são e funcional unido em torno de uma fé, de uma ideologia, de uma identidade e de um líder deve ser proscrito[3] (mutilado, torturado, encarcerado ou exterminado).

Relatório recente das Nações Unidas mostra que 246 milhões de pessoas, ou seja, 1 em cada 20 na idade entre 15 e 64 anos, consumiram alguma droga ilícita em 2013. Em 2014, o número de drogas sintéticas, como as anfetaminas, chegou a 450. Em 1999 eram 126. Nem a “demonização das drogas” (declarada por Ronald Reagan) nem as incontáveis invasões internacionais evitou a prosperidade do seu consumo. A política do “inimigo número um”, em plena “Guerra Fria” (com a Rússia), tinha propósitos nitidamente políticos (de dominação e de império mundial).

No campo criminal essa política populista culminaria com a eclosão do chamado “direito penal do inimigo” (retomado no final do século XX por G. Jakobs), que a visão populista não deixa por menos: “é preciso eliminar o conflito, reprimir suas manifestações, cauterizar suas feridas e isolar ou destruir os agentes patogênicos, marginalizar ou eliminar a todos que atentam de qualquer forma contra a harmonia do conjunto”.[4] É com base nessa visão de mundo que a política populista brasileira mantém hoje nos seus simulacros de presídios quase 150 mil pessoas envolvidas com drogas. Grandes traficantes são pouquíssimos. Para o restante (meros usuários, pequenos tráficos etc.) pagamos 2 mil reais por mês (per capita) para estagiarem na “universidade do crime” e se transformarem em megatraficantes.

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